A MOÇA COM O COPO DE ÁGUA

September 28, 2008

O Fabuloso Destino de Amélie Poulain foi meu conto de ninar nesta semana. Dormi de segunda a sexta assistindo ao filme que, até então, eu só tinha visto uma vez, na estréia, 7 anos atrás.

“…o pai de Amélie, ex-médico militar trabalha nas termas de Enghien-les-Bains. Tem lábios contraídos, sinal de falta de coração. Raphaël Poulain não gosta: de urinar ao lado de alguém. não gosta: de notar um olhar de desdém pos suas sandálias…sair da água e sentir seu calção de banho grudar. Raphaël Poulain gosta: de arrancar grandes tiras de papel de parede…enfileirar seus sapatos e engraxá-los com esmero…esvaziar caixas de ferrmentas…limpá-la…e arrumá-la de novo.
A mãe de Amélie, Amandine Fouget, professora nascida em Gueugnon…sempre foi de natureza instável e nervosa. Possue tique nervoso, sinal de perturbação neurótica. Amandine Poulain não gosta: que seus dedos enruguem na água quente do banho…que alguém de quem não gosta encoste nela…que os lençóis marquem suas bochechas de manhã. Amandine Poulain gosta: das roupas dos patinadores da TF1…de dar brilho no assualho com pantufas…esvaziar a bolsa, limpá-la bem…e arrumá-la de novo.

Amélie tem 6 anos. Como toda criança, gostaria que seu pai a abraçasse de vez em quando. Mas ele só a toca durante o exame clínico mensal. A menina, emocionada com a intimidade excepcional…não consegue impedir que seu coração dispare. Então que seu pai conclui que ela tem uma anomalia cardíaca. Por causa da doença fictícia, Amélie não vai  à escola. Sua mãe torna-se sua preceptora.

Privada do contato com outras crianças…dividida entre a agitação da mãe e a distância glacial do pai…Amélie encontra refugio no mundo que inventou.

Eis acima, a introdução ao Fabuloso Destino de Amélie Poulain. Convenhamos, como alguém criado assim, poderia ter um destino Fabuloso? não teria Amélie, tudo para ser uma perturbada neurótica sem coração?

Pós-perda de seu amigo peixe, Amélie ganha uma máquina fotográfica de sua mãe. Com o presente, Amandine não quis nada, a não ser parar com o choro da filha, que ao usar a máquina, demonstra o quanto se relaciona com a sua própria imaginação. Quando primeira vez vi o filme, espantei-me com a menina registrando em sua mente, coelhos e ursinhos espécie-nuvens. Na mesma cena, Amélie é censurada, pelo terror psicológico do vizinho que diz, que por causa de sua cámera, o acidente de dois carros ali diante, aconteceu. Amélie acredita, ela não tem dúvidas, sequer sabe o significado de tal palavra chamada dúvida. Amélie acredita em tudo que assiste, seus olhos tem uma espantosa capacidade de assistir o extraordinário. Porém, ela crê também naquilo que lhe é apresentado, como a ausência-de-amor do seu pai, os-tiques-nervosos-da-mãe. E com esse vizinho, não é diferente, ela crê. Tanto que em casa, pensa que sua visão é que está errada. Não existe coelhos ao céu, quiçá, ursinhos. Seu olhar é tão equivocado, que com(um) trocadilho, evoca tragédias.

Descarrilhamento de trem, queda de avião ou gigantescos incêndios…‘tudo isso, acontecendo por minha causa? Esse é o efeito de como eu enxergo as coisas? assim pensa Amélie diante da televisão. Logo então, a menina percebe que o vizinho mentia, e o crime cometido a sua percepção de  mundo ( o quê? não é verdade aquilo que vejo?), é de tamana crueldade, a menina Amélie decide por se vingar. E não por coincidência, ela mexe na antena do criminoso. Amélie igual, perturba o que o vizinho assiste. ‘Já que mexeu no que eu assisto, tome isto!’

A cena é engraçada. O vizinho pulando irritadiço é comédia total. Mas a cena vai além. Pra mim, vi assim: Amélie  tem uma visão de mundo tão fascinante, que servir como interferência, é demais necessário. Na verdade, é imensurável como algo grandioso pode interferir na vida de alguém, mas está ali, Amélie para incomodar. São 9 o número de minutos passados na tela, e o diretor deixa claro aquilo que está por vir: um espetáculo de vida.

(Vi)Vemos então Amélie, deixando sua casa, seu pai e o mausoléu-miniatura que guarda as cinzas de sua mãe. O mundo morto por sua volta não a apavorou. Ela sonhou até a hora de partir, e continua sonhando. Detalhe: Amélie sonha acordada. Nunca deixou de se relacionar, e aos que criticam o mundo à parte como refúgio, ou subterfúgio impróprio, ela própria mostra sua capacidade sociável. Então: Amélie nunca se escondeu(?), ou fugiu(?). Amélie é vida, e se usa da sua imaginação é para continuar assim, viva da vida.

Nos fins de semana, Amélie pega o trem para visitar seu pai. No caminho, cena incomum acontece: pedinte que não trabalha aos domingos(?). Na visita, cena ordinária acontece: pai “culpando” o filho por não ter realizado desejos. Amélie não contesta. Mas sabe que seu coração não foi o responsável por Amandinde e Raphël nunca terem viajado. Não existiu e não existe problemas com o coração de Amélie, prova disso é seu olhar-amor ao olhar-amor dos expectadores por volta dela, quando as sextas-feiras, ela vai ao cinema.

Já são 11 os minutos na tela. Até então, os únicos sorrisos no filme, são de Amélie. Nessa cena, pela primeira vez, outros sorriem…não por acaso. Está ali, escancarado não só a idéia, mas o motivo de existir Amélie. Amélie-como-filme e um-filme-como-Amélie. Falta cinema fora da tela. Falta cinema na vida das pessoas. Penso melhor: falta? Amélie Poulain é a prova de que nada falta. Tudo tem. Tudo é. É o quê? Então falta. Falta enxergar.

Amélie gosta de procurar detalhes que ninguém vê, cultiva um gosto particular por pequenos prazeres, mão no trigo, colher quebrando a cobertura do creme broulê, jogar pedras no canal Saint Martin. Diverte-se com perguntas idiotas sobre sua cidade. Refugiasse em sua solidão. Não tem namorado.

Amélie tem coração. E ele dispara. Mas seu disparo não agüenta mais o não amor das pessoas. Amélie não terá um parceiro? partilhar o cinema que enxerga? com quem? e aquele irmão com quem ela sonhava na infância, para viver o tempo todo?

O universo conspira a favor da vida-cinema-amor. Através de uma caixa, a surpresa: Amélie obstinada a devolver o tesouro de outro, ela própria, encontra o seu: Praticar o bem. Sem Dogmas. Amélie não é garçonete por acaso. Clara simbologia quanto ao ‘servir’. Amélie serve aos seus semelhantes?

Amélie em diálogo com o Homem de Vidro:

HV: Nesses anos todos, o único personagem que ainda não consegui captar…é a moça com o copo de água. Ela está no centro e, no entanto, está fora.
AP: Talvez ela seja diferente dos outros.
HV: Em quê?
AP: Não sei.
HV: Quando era pequena, não devia brincar com outras crianças. Talvez nunca.

Então, essa é Amélie. A moça no quadro com o copo de água. E a moça com o copo de água fora do quadro. Então: No centro, e no entanto, fora. O Homem de Vidro não percebe que Amélie, ali, segura um copo de água. Amélie percebe que ele não a enxergou? Amélie estaria ali falando dela mesma? Amélie percebe que ela, em resposta ao Homem de Vidro, estava a falar dela mesma?

Sim, não ‘talvez’. Amélie é diferente. Logo, serve não aos seus semelhantes, mas sim como exemplo fabuloso de vida. Amélie é o centro de tudo. Amélie é a vida colocada não para fora, mas sim, fora. E despretensiosamente, ela, entra para dentro. Começando com a memória. Amélie faz lembrar, então sentir. Ao devolver a caixa tesouro, Amélie devolve a lembrança-viva-criança dentro de um homem que precisava lembrar-vida.

“Amélie, de repente, se sente em harmonia com ela mesma. Tudo é perfeito nesse momento. A suavidade da luz, o perfume no ar, o rumor tranqüilo da cidade. Ela respira fundo. A vida lhe parece tão simples, que um elã de amor…como o desejo de ajudar toda a humanidade, a toma de repente.”

Amélie então serve-olhos-amor-cinema à vida por de volta de um cego, que antes, ficava em um túnel de metrô. Mas seria esse o destino de Amélie? ser a Madrinha dos enjeitados? Madona dos Infelizes? Aos 23 anos, deixar sua vida esvair no redemoinho do sofrimento universal?

O homem que ela ajuda, devolvendo a caixa, diz que deve de encontrar seu filho. Antes que ele próprio(o pai) acabe como uma caixa enferrujada. Amélie é filha. Perdeu já a mãe, mas tem pai. Um pai sem vida. Amélie resolve(-se) viés ‘contas-pendentes-com-meu-pai’. E, ao conseguir um presente para seu progenitor, toma um caminho, que a faz dormir em uma cabine fotográfica.  Fotografia é simbologia no filme. Foto é olhar de outro. Olhar que Amélie percebe ao seu coração, este que batendo acelerado, é além de fotografado, é não-julgado, percebido por um-olhar-raio-x. Olhar de um homem semelhante! sim! Amélie enfim, encontra seu semelhante! Ela percebe? Amélie percebe que o álbum do homem-olhar-raio-x carregado de foto 3×4 é o seu achado? Alías, Amélie percebe que tal homem, tem assim como ela, o desejo de reconstituir as pessoas?

Amélie resolve-se? Amélie finge não ver que encontrou seu tão desejado irmão. Tanto que fica a filosofar sobre o homem de olhar neutro, que possue várias fotos reconstituidas no álbum. Amélie teme a realidade, essa que foge ao seu olhar. E foge? Amélie sabe o que fazer para encontrar seu “irmão de infância”, porém não o faz. Amélie teme que seu amor, ao ser compartilhado, não seja o cinema que assiste(?). Por isso, continua resolvendo a vida dos outros(?). Amélie resolve-se?

Amélie tem medo. E medo não é algo comum? sim! Amélie não é um extra-terrestre, mesmo que ela seja viva, além dos terrestres, ela veio daqui. Da terra. Conviveu por demais, com seus pais, seres-terrenos-de-pés-secos. Amélie diz que o homem com quem cruzou seu coração, não tem nada haver com ela, mas sabe que esse ‘diz que me disse’ não dura:

“A sorte é como o Tour de France, esperamos tanto e passa tão rápido. Quando chega a hora, precisa saltar sem hesitar.”

Amélie finge gostar de estratagemas. Reconhecendo que não precisa de astúcia, pois guerra nenhuma, quiçá inimigo, existe, ela tem que confessar seu temor-na-verdade-covardia. E que esse ‘ser-diferente’, recalca uma mulher que não deixa-se capturar. Por isso seu desejo de capturas a todos(?). Mais fácil resolver a vida dos outros, não?

“… Então, minha querida Amélie…você não tem ossos de vidro. Pode suportar os baques da vida. Se deixar passar essa chance…então, com o tempo seu coração ficará tão seco e quebradiço quando o meu esqueleto. Então, vá en frente, pelo amor de Deus.”

O universo conspira favor do cinema-amor. Amélie não pára o filme inteiro. Seu ritmo é esse, acelerado. Amélie é um coração com pressa. Amélie não tem vocação para princesa. Amélie não é um anjo sem asas. Amélie é uma mulher comum de destino fabuloso por que partilha o mesmo com nós todos. Amélie é a moça com o copo de água. Aliás, por dentro, e fora, Amélie é água. Água com cheiro, com gosto, com cor. E existe isso? sim! Não enxergou ainda!? Amélie é cinema!

Estamos em 28 de setembro de 2008. São exatamente 1 da manhã. Meu sobrinho dorme com um sorriso-desenho no quarto dos avós. As árvores da minha rua dançam ao som do delicado vento de um primeiro fim-de-semana-primavera, no mesmo instante que em algum canto da cidade alguém come uma pizza, ao mesmo tempo que descobre a relação dele-seu-dente-o-queijo-e-o-leite, enquanto isso, partos e partidas acontecem no hospital ao lado direito da minha janela. A temperatura é de 17 graus e a umidade é suficientemente agradável em relação a pressão atmosférica.

Lembrete: “sem você, a emoção de hoje seria pele morta da emoção do passado.”


Céu de Baunilha

May 19, 2008

Ouvimos o narrador dizer que Jules e Jim se conheceram, pela vontade de Jules de ingressar em um baile, do qual Jim tinha os ingressos. Mas a amizade mesmo, nasce (palavras do próprio narrador), enquanto Jim procura uma fantasia de escravo. A amizade então cresce, quando Jules observa o baile de estudantes de arte com um olhar meigo e cheio de amor.

Juntos, os amigos freqüentam todos e quaisquer lugares, com muita conversa, chamando um ao outro sempre com admiração, carinho e respeito. Se amam, então, Jules e Jim? Qualquer feminino que passe aos olhos de ambos é motivo de colocações e/ou comparações. Jules carrega fotos de ex-amantes, e de todas, ele fala. E quando escolhe específica, não a descreve com palavras. Prefere por desenhar a mesma. Jim (cultuando a obra ou o artista?) acaba querendo comprar a mesa, mas não pode, pois teria que comprar todo o conjunto.

Levar o conjunto todo, seria como, aceitar uma pessoa como ela é? O desdém que Jules e Jim expressam pelas mulheres é explícito. Nas fotos, quando Jules senta, para, mostrar e comentar, o desdém é ainda mais claro. O desenho então, que ele faz na mesa, não tem detalhes. Vê -se pela estética que é uma mulher, vê-se pela “técnica cubista” que é mulher, mas não tem fidelidade ao ser(como em obras renascentistas!). Vê-se preocupação com a realidade quando Jules tenta descrever, ou “escrever” uma mulher? Querem(ou precisam?) ambos, dar importância à imaginação?

Abre-se parênteses:

O título do filme se refere ao casal protagonista? Porque o nome do filme não é Jules, Jim e Catherine? Ou Jules e Catherine? Ou Jim e Catherine? Ou qualquer outro nome?A idolatria serve como injeção de desejo não só para o sexo oposto. Jules e Jim teriam feito um tácito acordo, de adorar a estátua em forma de mulher e, depois, de adorar a própria mulher? Se fosse isso, Catherine seria um pretexto ideal. Volúvel, disponível, temperamental… alguém que aceitou a relação a três, pendendo ora pra um lado, ora pra outro, mas sempre entre eles, como um elo. Eles a usam para que possam se manter próximos?

Quando Jim volta a Paris e encontra conhecidos na rua, nos bares, todos perguntam sobre Jules. Alguém lembra do terceiro membro do triângulo? Pois então, nem lembrada ela é. Mero pretexto? figurante de uma história onde os protagonistas já vem declarados desde o início? Quando Jim vai ao encontro de Catherine após o mal-entendido das cartas, Jules o busca na estação e só conta que Catherina tinha sumido depois de estarem dentro de casa. Teria ele tido medo de revelar a verdade antes e correr o risco de ver Jim embarcando imediatamente no trem de volta? Jules e Jim usam uma imagem personificada em carne e osso para que possam viver este amor de forma velada? E se caso o mundo (ou suas consciências) os confrontasse sobre o que é aquilo que estão sentindo? Sacariam da resposta que está pronta? “olha, mundo/consciência, nós só vivemos juntos porque amamos a mesma mulher!”

Fecha-se parênteses.

Em certo momento, Jules se diverte falando sobre uma frase aonde diz que a mulher não teria o que conversar com Deus. Se Jules coloca a mulher em nivel inferior ao masculino, porque ele mesmo, continua a persegui-las, deseja-las, imagina-las? E Deus teria o que conversar com os masculinos? E e se o ser feminino não teria o que conversar com Deus, o que teria para conversar com os homens? Jules entende ele, homem, ser mortal? Ou imagina-se tão conquistador ao ponto de ultrapassar a altura divina, para lá-do-alto-céu, dar-se o luxo de olhar para baixo e cortejar o sexo feminino?

Jules e Jim, apaixonam-se pelo sorriso de uma mulher, porém estátua. Perdidamente fixados pela imagem daquela pedra, eles decidem não por esculpi-la para tentar encontrar do que ela é feita por dentro. Eles passam reto(como se isso não trouxesse também, conseqüencias), para encontrar o mesmo rosto em um ser humano do sexo feminino. E encontram?

Catherine não tem sobrenome senão os que a própria relação com os demais implica: Mentiras? não, o sobrenome de Catherine não chama-se mentiras. Mentiras nem existem no universo de Catherine. Elas são queimadas com vitríolo. Catherine Estranha, seria esse o sobrenome da dama? aos olhos de Jim, estranha, ela é chamada. Jules, “o apaixonado”, explica (defende?): o pai é nobre, a mãe, não. Catherine não se parece com a estátua. Queriam Jules e Jim estar diante de um ser, que pensa, respira, fala…alías queriam eles, estar diante de uma mulher que fala o tanto quanto eles? Catherine não é feita de pedra (eles percebem?).

Catherine se mexe. Corre. Foge? Correm os três então juntos. Juntos, os homens? Em um dos momentos aonde eles mais se divertem, é quando Catherine se faz-masculino e passeia pelas ruas de Paris. A cena em que correm, sem trilha, com som. O som? a respiração dos três, como se estivessem transando, os três. Os três? Na contagem de Jules, ela dispara no número dois. Três é demais? Catherine chega em primeiro. Seu grito então, seria o gozo? por vencer? ela trapaceia. Ganha quem trapaceia? quem chega na frente é o vitorioso? quando acaba a guerra, e Jim visita Jules, Jules diz a Jim: “- Você ganhou a guerra então!” Jim o olha e responde: “- Preferia ter ganho isso!” referindo-se a Catherine e Sabine, e ele. Ou seja: familia.

Não teriam sobrenomes os personagens, por alguma razão? Seria por eles não terem familia? sim, sabemos que eles tem, mas não são apresentadas. E porque? “Jules et Jim” é uma ode à desconstrução da família (ou à construção de uma nova)? Vê-se família (ou tentativa de) na relação de Jules, Jim e Catherine: a mãe, os filhos. A mulher, os maridos. O pai, a filha. Assim como na família de “Jules et Jim”, em nossas, há confusão entre os integrantes, personagens e seus nomes. A cada desabafo, diálogo, análise, poesia, rascunho, desconstruimo-nos, tentando uma (nova?) construção. E uma nova família, pode?

Jules e Jim (os masculinos) se encarregam de que “Jules et Jim” seja uma ode ao feminino. Seria ao feminino que primeiro conhecemos? Qual ser que diante, e adiante (às vezes eternamente) ficamos a olhar como uma escultura enigmática? Como uma rainha, como a força da natureza? Quem é que nos beija quente em nossa testa ardente? Não é a voz da mãe que cantada em nossos inocentes orestes, fascina? fatal, mulher fatal: e isso não é a tagline de qualquer mãe? Não é com a mãe, que mesmo a girar, continuamos abraçados(presos!)? Então, Catherine cantando “O Turbilhão” é a representação da mãe na sala apresentando uma cantiga aos seus filhos?

É através de catherine que sabemos da existência da figura materna. A mãe de Jules, que só conhecemos através do olhar de Catherine. A mãe de Catherine, que só sabemos ao olhar de Jules, quando este justifica (a Jim) a estranheza da mulher pós-estátua. E Catherine própria, uma mãe que, como toda figura (somente imagem?) materna, não quer ser mal-julgada (o problema não é o julgamento em si, mas a condenação). Em diálogo entre Jim e Catherine surge:

Jim: – Quero te ouvir!

Catherine: – Para que? para me julgar?

Jim: – Deus me livre!

Nesse diálogo, vê-se o medo da condenação(prisão!) e a vontade pela liberdade (via-crucis!?)

Jules e Jim seriam irmãos buscando a liberdade dessa imagem materna? A caminhada de Jules ao fim pode ser vista como um filho, leve e solto, livre, rumo a sua independente trilha? No começo do filme, em um bar, uma mulher passa acompanhada. Jules levanta-se, Jim o impede de prosseguir. Jules deixa claro que não está apaixonado, explicando: “- Ela era uma mãe e uma filha para mim!”. Por que Jules e Jim se apaixonam por Catherine? O que ela de fato representava para eles? “Uma mãe para nós” ? Ambos precisavam se prender a essa imagem para depois se livrarem da mesma? Pois, como se libertar do que não os prende? E não passamos a vida a querer tirar a imagem representativa dos nossos pais, em nós? Catherine, a mãe(-natureza?), ao se suicidar, deixa Sabine órfã? Não, ela tem Jules, o pai. E sozinho, alguém pode ficar?

Jules em desabafo a Jim diz que Catherine (a mulher real) nem é tão encantadora assim, nem é tão bonita. Nem inteligente, nem sincera. Nem apaixonada! Então o que prendia os dois em Catherine? o amor próprio que ela parecia ter? Jules e Jim, cortejando, idolatrando um ao outro, sendo eles semelhantes (iguais?), sendo do mesmo gênero(homens), não é uma forma tentarem amar a si mesmos? precisamos de uma confirmação que só o olhar alheio pode dar? aprender a nos amar pelos olhos do outro? E dá certo isso? Catherine parece auto-suficiente. É isso que os atrai? Mas se Catherine é auto-suficiente, porque precisaria tanto da atenção de Jules e Jim? Quem ama a si mesmo, sente-se sozinho? será que o amor próprio nos basta?

Adoramo-nos como imagem. Cultuamo-nos ao espelho, como se só estivesse mesmo faltando a reza: meias, calças, calcinhas, cuecas, saias, camisas, blusas, maquiagem, frase direta: “- Estou lindo(a)!”… amém! Amar a si, é contemplar nossa própria imagem?

“Jules et Jim” é uma obra épica sobre o fascínio pela imagem, e logo, um grito de liberdade(para todos que livram-se de tal fascínio). Claro que não tem a metafisica de filmes(vendidos como) “auto ajuda”, por exemplo “O Segredo”. Mas está ali, sem dicas, ao mesmo tempo com todas(subliminares ao máximo, escancaradas, sem medida), o caminho à liberdade. E esse caminho, é fácil seguir? No filme, Jules se liberta ao matar tudo o que dentro dele, representava prisão. Tanto Catherine quanto Jim prendiam Jules. Ao menos diante dos caixões, temos em sua expressão um homem, sem emoção (a família lhe sugou toda?). E em sua caminhada (marcha?) após o enterro, é de alívio a expressão do seu caminhar, talvez por não ter mais que definir e/ou desafiar o limite do que lhe era possível conviver com seus amigos-amantes-familiares.

Sem deuses ou diabos. Sem psicologia. Como Jules fala: “metafisica”. Além do físico. Ultrapassa a mente(passando por ela a todo momento), chegamos ao mistério. “Jules et Jim” é filosofia. São quase duas horas de “saber”, em diálogos. Muita conversa. N mentiras. Desabafos. Fadigas. Insatisfação. Desejo sexual reprimido. Crenças, cultos, religião pura. A adoração está em cada tomada do filme. Adoração pelo amor? Em outro diálogo entre Jim e Catherine:

“- Você tentou inventar o amor! mas os pioneiros não podem ser egoistas!”.

“Os pioneiros” Então, nesse diálogo está a declaração de Jim, e o consentimento de Catherine à máxima de Shakespeare? “Amor não se dobra à obstáculos!” No diálogo dos dois, encontra-se a clara-evidência? “Não nos amamos!(?)” , “Não amamos!(?), “Temos medo de dar certo… de amar e sermos amados(?)”.

A linguagem(imagem!) cinematográfica(leia-se tomadas, interpretações, montagem, etc) da época(leia-se cinema europeu dos anos 60), deixa margem para um distanciamento do qual podemos analisar “Jules et Jim”. E análise, pode?

Menos especializado(?), mais versátil(?):

Fin

O Filme fora daqui:

O Roteiro, O Romance